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Octubre -Noviembre
2004

 

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Arte Wireless
 

Por Giselle Beiguelman
Número 41

A utilização de dispositivos portáteis de comunicação sem-fio com possibilidade de conexão à Internet é uma tendência irreversível. De acordo com a empresa de pesquisa eTforecasts, em 2005 48% dos acessos à Internet serão feitos via dispositivos sem fio.

Dados apurados pela revista Veja, em edição dedicada à tecnologia e consumo, publicada em 2001, apontavam um crescimento trimestral de 200% no mercado de Palms no Brasil, que já contava nesse período com mais de 500 mil usuários.

Pesquisa realizada pela Jupiter Media Metrix, por outro lado, afirmava que no final de 2001, 35 milhões de pessoas estariam conectadas à Internet por sistemas sem fio (wireless). Outra empresa de pesquisa, a Allied Business Intelligence, prevê que até 2006, os usuários de sistemas de conexão wireless somarão 1 bilhão.

Estima-se, ainda, conforme prognósticos da Anatel, que até 2005, quando os celulares de terceira geração estiverem implantados no Brasil, teremos mais de 57 milhões de usuários do sistema no país.

Esses dados apontam não só para a incorporação do padrão de vida nômade, mas, também indicam que o corpo humano se transformou em um conjunto de extensões ligadas a um mundo cíbrido, pautado pela interconexão de redes e sistemas on e off line.

Instrumentos especialmente desenvolvidos para a adequação a situações de trânsito e deslocamento, os dispositivos de comunicação móvel são ferramentas de adaptação a um universo urbano de contínua aceleração e afetam sensivelmente as formas de percepção, visualização e comunicação remota.
Trata-se agora de refletir sobre a recepção em ambientes de constante fluxo, em condições entrópicas, onde o leitor/interator está sempre envolvido em mais de uma atividade (dirigindo, olhando um painel eletrônico e falando ao telefone, por exemplo), interagindo com mais de um dispositivo e desempenhando tarefas múltiplas e não-correlatas.

Criar para essas condições implica, por isso, repensar as condições de legibilidade e as convenções e formatos da comunicação e transmissão. Mas implica também compreender os meandros políticos, econômicos e ideológicos que interpõem a essas condições de criação.

Uma exposição realizada recentemente em São Paulo pode ser um ponto de partida para essa discussão.

Entre os dias 10 e 12 de setembro, o Instituto Tomie Ohtake sediou a exposição “Life Goes Mobile”que reuniu projetos de sete artistas para dispositivos móveis de conexão e interação1.

Com curadoria de Lucas Bambozzi e patrocínio da Nokia Trends, a exposição fazia parte do conjunto de mostras multimídia do festival de música e arte eletrônica Sónar e colocava algumas questões fundamentais no que diz respeito à cultura digital e à criação artística que se vale de meios emergentes de comunicação.

Essas questões remetem, por um lado, às relações entre criadores independentes e demandas corporativas e, por outro a contextos de produção, circulação e recepção particulares às experiências cíbridas (aquelas que se realizam no interior e entre redes on e off-line).

Do ponto de vista institucional, desenha-se uma situação complexa para o artista que deseja usar o celular como um novo meio/ferramenta para suas obras, sem abrir mão de sua liberdade de crítica, especialmente para aqueles que trabalham com temáticas mais "militantes" e anticorporação.

Um raciocínio simplista poderia concluir aí: arte e cultura não podem ser produzidas com perspectivas críticas nesses moldes. Contudo, é preciso levar em conta duas nuances essenciais.

Lembrar que o campo estrutural da ciberpolítica hoje não é questionamento da marca ou do produto em si, mas os sistemas operacionais e o tipo de codificação dos programas utilizados: abertos ou fechados.

A codificação aberta, passível de ser implantada em celulares GSM, pode resguardar o exercício crítico nesse contexto, mesmo mantendo vínculos de patrocínio, pois permite que o conteúdo gerado seja revisto, reciclado e reutilizado de outra forma, sem que a criação se torne refém de uma marca.

Ainda nessa esfera política e institucional da discussão, é necessário lembrar aqui do fator "real reality", para não terminar rimando militância com ignorância:

O contexto wireless é muito diferente do da Internet fixa, pois ele já nasceu corporativo (ao contrário da Internet, na qual as empresas de informática se ligaram posteriormente). Ele é inteiramente mediado por operadoras e fabricantes.

Para agravar, em um país como o Brasil, em que as universidades estão desaparelhadas para o incentivo da pesquisa tecnológica, especialmente no campo da criação artística, a relação com esse tipo de interlocutor – corporativo – torna-se decisiva.

O fato de ser decisiva, contudo, não exime o artista de sua responsabilidade crítica. Ao contrário, exige dele, talvez mais do que nunca, a consciência de que qualquer opção tecnológica é ideológica e que manter sua liberdade de criação e pensamento, nesse âmbito, passa pelo abandono de posturas românticas fundadas na base da divisão de trabalho entre os inspirados e os transpirados. Sem conhecer os fundamentos da programação, corre-se o risco de virar garoto-propaganda sem sequer saber do quê....

Esclarecido esse aspecto da discussão, sem a qual todo e qualquer debate sobre arte e tecnologia se torna vazio, é preciso esclarecer ainda o que se entende por arte wireless, diferenciando arte para dispositivos móveis de arte com dispositivos móveis.

Na primeira vertente, temos os ringtones, que estão abrindo uma perspectiva interessante de música urbana, e os filmes e salva-telas especialmente concebidos para situações de trânsito, entropia, mobilidade que vem se tornando uma alternativa interessante à mesmice dos trailers e hits de FM disponibilizados pelas operadoras.

Na segunda, destacam-se os projetos que estão levando ao limite as possibilidades da telefonia móvel, explorando a interação dos dispositivos portáteis com outros equipamentos de telecomunicação - internet, painel eletrônico, rede elétrica - e as situações públicas e coletivas - como shows e cinemas -- apostando numa idéia aristotélica que ainda parece ser a mais interessante: o homem é um ser político, é um animal da polis, seu lugar é a rua, o espaço de compartilhamento e interação, não o escritório...

Os dispositivos móveis nos colocam em um outro âmbito artístico. O diálogo com essa cultura da mobilidade é um diálogo com seres multitarefas, que estão em situações de trânsito e deslocamento, em estados entrópicos e de aceleração contínua.

Isso faz com que tenhamos que repensar nossos parâmetros de criação e recepção, haja vista que é uma arte que é disponibilizada em equipamentos que servem a "n" funções - tocar música, ver vídeo, acessar a conta bancária,conferir agenda, falar- e que são utilizados quando estamos envolvidos em mais de uma ação - pedindo a conta no restaurante e usando o celular, por exemplo.

Nesse sentido, vale a pena discutir, dois projetos realizados no Life Goes Mobile; “Argos” de Helga Stein e “Constelações” do coletivo Re:Combo. Ambos lidaram com situações de compartilhamento. Ambos, também, exploraram as novas possibilidades estéticas comunicacionais, porém de formas curiosamente distintas.

No caso de “Argos”, privilegiou-se as formas pelas quais as situações de compartilhamento redesenham individualidades e optou-se pela reconfiguração completa dos atributos de alguns acessórios de comunicação sem-fio, sem alterar, contudo suas funcionalidades.

Inspirado em Argos Panoptes, gigante mitológico de cem olhos, o “Argos” de Stein é um aparato de visão que conta com a participação do público para construir um retrato coletivo e mutante, formado por olhos e bocas, que são as partes mais expressivas da fisionomia humana.

O aparato de visão era semelhante a uma máscara e levava ao limite o conceito de “imagens vestíveis” (wearable images). Nele foram acoplados visualizadores de imagens digitais da Nokia (monóculos e medalhões), para onde o público enviava, por conexão via infravermelho, imagens de olhos e bocas feitas em celulares equipados com câmeras fotográficas.

Os olhos fotografados e enviados pelo público aos monóculos eram vistos ao mesmo tempo por quem vestia o aparato e por quem o observava. Já as imagens de bocas que ocupavam os medalhões, eram vistos apenas por quem os observava.

Nesse jogo de olhos nos olhos, boca na boca, emergia um rosto que se configurava ao acaso, com piscadelas e murmúrios aleatórios materializados no cristal líquido.

“Argos” lançava, assim, ao público não só questões sobre como as novas tecnologias estão participando de uma outra codificação da subjetividade, descolada da referência ontológica e mediada pela tela, como sugeria uma cultura wireless pautada pela miscigenação e mutação, em consonância com uma contemporaneidade que se faz pela crítica da sociedade do espetáculo a partir do espetáculo de si mesmo.

Uma espetacularização autônoma, criativa e corrosiva que se constrói pela diversidade fisionômica e pela forma particular com que cada pessoa manipula o equipamento para obter a imagem: fotografando outros ou a si próprio e enviando pela conexão mais acessível no momento (seja ela por infravermelho, bluetooth ou wi-fi).

Se “Argos” de Helga Stein obrigava-nos a utilizar um equipamento fadado a se tornar fetiche adolescente (meldalhões, à la camafeu, e monóculos, semelhantes aos que se viam nas praias brasileiras nos anos 60), sem alterar em nada sua mecânica de funcionamento, porém dando-lhe toda um novo espectro de reflexão pelo uso criativo, “Constelações”, do coletivo Re:Combo, apostou numa tendência radicalmente oposta.

Sem recorrer a acessórios, nem novos lançamentos, o projeto utilizava recursos de envio de mensagens de texto através de celulares (SMS) como forma de alimentação de recursos da web, revertendo a lógica desse sistema que, a priori, é pensado de celular a celular.

Os recados e textos enviados a um número específico podiam ser lidos numa projeção no teto do espaço expositivo, porém as mensagens recebidas apresentavam-se como estrelas, agrupando-se em constelações.

Ao serem acessadas pelos visitantes (através de blutooth, direcionados para cada uma das estrelas), revelavam-se os conteúdos das mensagens e dava-se sentido à constelação que tinha como parâmetro de configuração a localização geográfica de onde foi enviada a mensagem e a hora e o minuto de envio.

Idealizado por H.D. Mabuse, Haidée Lima e Diego Credidio, o projeto “Constelações” aponta questões que ecoam para além do universo das comunicações interpessoais: no imenso fluxo de troca de informação que ocorre entre as pessoas: Como seria uma forma de visualização do que ocorre em tempos e espaços não necessariamente conectados?

Distribuição, mobilidade, desconexão. Palavras-chave de uma cultura que nos impõe refletir sobre a recepção em ambientes de constante fluxo, em condições entrópicas, onde o leitor está sempre envolvido em mais de uma atividade (dirigindo, olhando um painel eletrônico e falando ao telefone, por exemplo), interagindo com mais de um dispositivo e desempenhando tarefas múltiplas e não-correlatas.

Criar para essas condições implica, por isso, repensar as condições de legibilidade e as convenções e formatos da comunicação no âmbito de práticas culturais relacionadas à ubiqüidade.

Daí a arte wireless, que esses projetos anunciam, nos obrigar a interrogar: Como fazer uma arte para ser experimentada "entre" outras coisas? Como se relacionar com esse novo olhar, pautado pela dispersão e distribuição?

Responder, imediatamente, neste artigo essas questões seria leviano. Não apontá-las, entretanto, seria eximir-se da reflexão sobre o impacto epistemológico, semiótico e político da cultura da mobilidade que se anuncia para além e através nos novos dispositivos de comunicação sem-fio.


Notas:

1 Participantes do Life Goes Mobile: Angelo Palumbo Giselle Beiguelman, Helga Stein, Izo Levin, Luiz Duva, Lucia Koch, e Re:Combo


Giselle Beiguelman
Escritora, artista e professora da pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, editora da seção novo mundo da revista eletrônica Trópico e colaboradora da Leonardo Eletronic Almanac, Iowa Web Review e Cybertext, Brasil