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Por Fabio Fernandes
Número 41
Smart mobs e inteligência
coletiva no mundo dos quadrinhos
Os jornalistas que, recentemente, cobraram “coerência”
e “objetivos” dos grupos de flash mobbers que tomaram
a Avenida Paulista de assalto no mês de agosto não
fizeram seu dever de casa: confundiram o conceito de flash mob (evento
aleatório e não-utilitário inspirado no dadaísmo
mas criado na verdade por adolescentes finlandeses como forma de
marcar encontros-relâmpago em shoppings) com a idéia
de smart mobs, visualizada por Howard Rheingold, autor de The
Virtual Community, em seu livro mais recente, Smart Mobs:
The Next Social Revolution.
Nas palavras de Rheingold: multidões
inteligentes (smart mobs) emergem quando as tecnologias de comunicação
e computação amplificam os talentos humanos de cooperação.
(...) Manifestantes de rua nos protestos anti-OMC em 1999 utilizaram
websites atualizados de modo dinâmico, celulares e táticas
de “enxame” na “batalha de Seattle”. Um
milhão de filipinos derrubaram o presidente Estrada através
de manifestações públicas organizadas por saraivadas
de mensagens de texto.
Em outras palavras: rebeldes com
causa reunidos na hora certa e lugar certo graças à
tecnologia. As smart mobs podem até ser multidões-relâmpago
com as flash mobs, mas com uma diferença fundamental:
elas formam uma inteligência coletiva.
Segundo Pierre Lévy em A
Conexão Planetária, a inteligência coletiva
emerge de processos de cooperação competitiva, ou
seja, um tipo de competição que se baseia essencialmente
nas capacidades cooperativas dos agentes concorrentes. Lévy
postula que o ciberespaço é um meio particularmente
favorável ao desenvolvimento de uma inteligência coletiva
global da humanidade.
Enquanto esse momento (bastante
semelhante ao conceito de noosfera proposto por Teilhard de Chardin
e que também é abordado por Lévy nesse livro)
não chega, smart mobs podem servir como uma espécie
de teste beta para a construção de uma sociedade mais
igualitária e colaborativa. E não só no mundo
real.
Inteligência underground
wireless
A ficção
científica – que, desde os tempos do Movimento Cyberpunk,
mantém um diálogo permanente com o underground revolucionário
– acrescenta mais um elemento de discussão do potencial
das smart mobs na forma de uma série de quadrinhos:
Global Frequency.
Criada pelo escritor inglês
Warren Ellis (responsável por um dos grandes sucessos no
mundo das HQs dos últimos tempos, a premiada Transmetropolitan),
Global Frequency demonstra, em doze episódios, uma
possível aplicação prática das smart
mobs através da organização Freqüência
Global, criada para proteger o mundo de qualquer tipo de ameaça.
Mas não espere nada parecido
com paramilitares ou fuzileiros navais americanos fazendo justiça
com as próprias mãos em nome do “mundo livre”
(que se resume aos EUA, evidentemente). Ellis é inglês,
e como todo escritor inglês de quadrinhos que se preza desde
Alan Moore e Neil Gaiman, tem uma visão bastante crítica
das instituições. A Freqüência Global não
é militar, é desvinculada de qualquer nação
ou ideologia, e seus membros – que são sempre mil,
nem mais nem menos – estão espalhados por todo o mundo,
são pertencentes às mais diversas classes sociais,
religiões, cores e sexos. Indivíduos com as mais diversas
habilidades – hackers, médicos, físicos, policiais,
entre muitos outros – são convocados tendo como critério
básico a proximidade do local do problema. Que pode ser uma
invasão alienígena no centro de Nova York através
de um vírus de computador até uma bomba com antrax
na roda-gigante de um parque de diversões londrino ou fanáticos
religiosos fora de controle na Austrália.
A Freqüência Global não
é uma instituição, mas a corporificação
do conceito de inteligência coletiva: não existe um
escritório para sediá-la, por exemplo. A única
base de operações é a sala onde trabalha Aleph,
literalmente uma cyberpunk (com direito ao visual de cabelo tipo
iroquês dos punk rockers londrinos dos anos 1970) que monitora
através de satélites as comunicações
entre todos os integrantes da Freqüência (todos têm
um celular especial e exclusivo) e os coloca em contato uns com
os outros e com Miranda Zero, a misteriosa coordenadora do grupo.
Micro-smobs
Mas nas histórias
que compõem a série, o mais importante não
é o celular, que nem é utilizado com todas as suas
potencialidades (o recurso de vídeo, por exemplo, só
passa a ser incorporado a partir da edição no. 9,
de agosto de 2003) e sim o conceito de inteligência coletiva.
O grupo de especialistas cooptados por Miranda Zero não compõe
uma daquelas equipes de super-heróis de roupas colantes,
pelo contrário: são pessoas comuns, como eu e você,
convocadas mais ou menos da forma como nos Estados Unidos e na Europa
se convocam, em algumas cidades pequenas, cidadãos para trabalhos
voluntários em brigadas de incêndio.
Só que é uma brigada
de incêndio espalhada por todo o planeta, e seus membros,
embora mil, nunca se reúnem ao mesmo tempo no mesmo lugar.
A mobilidade e a capacidade de organização de subgrupos
é o grande trunfo da Freqüência Global. É
o que poderíamos chamar de micro-smobs: pequenas smart
mobs prontas para o que der e vier.
O próprio Ellis, embora recuse
qualquer rótulo de guru, é o centro de uma rede que
se formou ao redor de seu site, Die Puny Humans, e de seu boletim,
o BAD SIGNAL, que na última contagem tinha cerca de 3500
assinantes. Foi através desse boletim que os londrinos ficaram
sabendo do flash mob de 7 de agosto de 2003, e há suspeitas
de que ele indiretamente acabou sendo um dos responsáveis
pelas mobilizações brasileiras em São Paulo
no mesmo mês. Os 3500 membros da Freqüência de
Warren Ellis são bem mais do que os 1000 integrantes da Freqüência
Global, o que nos leva a pensar: o que as inteligências coletivas
que já estão começando a se formar, através
dessas comunidades virtuais, poderiam fazer para ajudar o mundo?
Más
información:
Howard Rheingold - <http://www.rheingold.com/index.html>
Smart Mobs - <http://www.smartmobs.com/index.html>
Die Puny Humans - <http://www.diepunyhumans.com>
Rebeldes sem causa “brincam”com
telão da Paulista –
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u80436.shtml>
“Rio tem seu primeiro flash mob que funciona” - <http://globonews.globo.com/GloboNews/article/0,6993,A587547-28,00.html>
Fábio
Fernandes
Jornalista e escritor brasileiro, está finalizando um livro
de minicontos, o “Pequeno Dicionário de Arquétipos
de Massa”, para publicação em 2004. |